segunda-feira, janeiro 24, 2005
Tratar com quem se possa aprender
Que o trato amigável seja escola de erudição e que a conversação seja ensinamento culto; fazer dos amigos mestres, penetrando o útil do aprender com o gosto do conversar. A fruição dos doutos alterna-se: quem diz logra o aplauso com que é recebido, e quem ouve logra o ensinamento. Ordinariamente, leva-nos até o outro a própria conveniência, aqui realçada. O atento frequenta as casas daqueles heróis cortesãos que são mais teatros de heroicidade que palácios de vaidade. Há senhores reputados discretos que, além de serem oráculos de toda grandeza com seu exemplo e em seu trato, o cortejo dos que os assistem é uma academia cortês de boa e galante discrição. |
domingo, janeiro 23, 2005
quarta-feira, janeiro 19, 2005
terça-feira, janeiro 18, 2005
Sonho
Ao caminhar pelas areias
decidi deixar-te. Pisava um barro escuro que tremia, e, ao afundar-me e soltar-me, decidi afastar-te de mim, pois me pesavas como pedra cortante, e preparei o teu afastamento passo a passo: cortando-te as raízes, soltar-te sozinha ao vento. Aí, nesse instante, coração meu, um sonho com suas asas terríveis te cobria. Sentias-te tragada pelo barro e chamavas-me e eu não acudia, afundavas-te, imóvel, sem defesa, até te afogares na boca do areal. Depois a minha decisão encontrou-se com o teu sonho e da ruptura que nos partia a alma surgimos limpos outra vez, nus, amando-nos sem sonho, sem areia, completos e radiantes, selados pelo fogo. |
Pablo Neruda
domingo, janeiro 16, 2005
Se tu me esqueces
Quero que saibas
uma coisa.
Tu sabes como é:
se contemplo
a lua de cristal, os ramos rubros
do outono lento na minha janela,
se toco
ao pé do lume
a impalpável cinza
ou o corpo enrugado da lenha,
tudo a ti me conduz,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
em direcção às tuas ilhas que me esperam.
Ora bem,
se a pouco e pouco deixas de amar-me,
deixarei de amar-te a pouco e pouco.
Se de repente
me esqueceres,
não me procures,
que já te haverei esquecido.
Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que percorre a minha vida
e decidires
deixar-me à margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
nessa hora,
levantarei os braços
e as minhas raízes irão
procurar outra terra.
Mas
se em cada dia,
em cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
se cada dia em teus lábios
nasce uma flor que me procura,
ai, meu amor, ai, minha,
todo esse fogo em mim se renova,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor do teu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres continuará nos teus braços
sem abandonar os meus.
Pablo Neruda