terça-feira, janeiro 18, 2005

Sonho

Ao caminhar pelas areias
decidi deixar-te.

Pisava um barro escuro
que tremia,
e, ao afundar-me e soltar-me,
decidi afastar-te
de mim, pois me pesavas
como pedra cortante,
e preparei o teu afastamento
passo a passo:
cortando-te as raízes,
soltar-te sozinha ao vento.

Aí, nesse instante,
coração meu, um sonho
com suas asas terríveis
te cobria.

Sentias-te tragada pelo barro
e chamavas-me e eu não acudia,
afundavas-te, imóvel,
sem defesa,
até te afogares na boca do areal.

Depois
a minha decisão encontrou-se com o teu sonho
e da ruptura
que nos partia a alma
surgimos limpos outra vez, nus,
amando-nos
sem sonho, sem areia,
completos e radiantes,
selados pelo fogo.

Pablo Neruda